O esquema é sempre o mesmo com pequenas variações. Um designer repara numa tendência. Muitos colegas usam a mesma fonte, ou alinham o texto de certa maneira, ou empregam ilustração ou imagens semelhantes. Irrita-se. O passo seguinte é declarar que se trata de uma modinha. Uma «trend».
Conclui que já não se pensa o design, que agora é só tiques e maneirismos no lugar de soluções ponderadas e duradouras. Tudo forma sem conteúdo, cópia ignorante, diminuída pela preguiça, dos grandes exemplos do passado. Não há nada de mal num estilo suceder-se a outro, concede. É assim que as coisas são. Porém, lamenta que, ao aplicar tais receitas, já não haja qualquer preocupação em investigar a sua origem ou analisar o seu significado.
O nosso designer só sossega quando inventa um nome sarcástico para a tendência. Escreve um artigo, um post, faz uma ilustração ou um cartaz a denunciar a «trend».
É possível reconhecer o esquema no artigo This is Auto-Tune Typography, da autoria de Silvia Sfligiotti. Passa por quase todas as etapas. Começa por descrever a tendência (um modo de alinhar texto em maiúsculas numa fonte grotesca). Depois inventa-lhe um nome (comparando-a com o efeito musical Auto-Tune). Apresenta uma montagem de exemplos num gif demasiado rápido para ser realmente útil. De seguida, conclui que a modinha nem sequer chega a ser uma versão conservadora do modernismo porque «vai ainda mais longe na recusa de articular, visual ou tipograficamente, qualquer tipo de pensamento.» Especula que possa fazer parte de outras modas (o «normcore», o «pós-autêntico», o «default systems design»), mas nada disso interessa a Sfligiotti. Prefere outro caminho:
«um que reconhece a existência de convenções, de normas culturais, de standards, modelos, estilos, soluções testadas, e o facto dos designers poderem confiar nelas, mas sem abandonar a noção que um projecto precisa de tempo antes de ser empacotado à pressa numa forma pré-existente. Quando se usa e torna a usar fórmulas gráficas, podíamos ao menos estar cientes das suas origens e significados (se é que os têm), e das razões porque as usamos.»
Porém, o próprio texto de Sfligiotti obedece a uma fórmula. Reencontramo-la em 2003, na introdução da revista Emigre nº64, onde Rudy Vanderlans descreve uma nova «trend», que na sua opinião não tem sido alvo de suficiente escrutínio pela crítica: «À superfície, parece ser uma reacção ao expressionismo individual dos anos 90. Caracteriza-se por um regresso da Helvetica […] e emprega sistemas simples, módulos e grelhas para substituir ideias.» De seguida, apresenta uma ilustração caricatural, com texto a dizer «Blah! Blah! Blah!» composto de acordo com o maneirismo descrito. Fatalista, conclui que:
«há pouco que se possa fazer em relação aos estilos de design. Vêm e vão. Por vezes, voltam. Mas fico sempre curioso. Qual a origem dos estilos? Como evoluem e porquê? Qual o seu significado? Como o estilo afecta o modo como representamos e interpretamos o mundo?»
As perguntas ficam por responder. Vanderlans encerra o seu texto lamentando o triste estado da crítica e das revistas de design, sem voltar ao assunto. Tal como em Sfligiotti, o apelo a uma análise crítica é deixado em aberto. Nem chega sequer a nomear os praticantes do estilo que critica. Essa tarefa fica a cargo de Mr. Keedy que, um pouco mais à frente na mesma Emigre, identifica o alvo como sendo a revista Dot Dot Dot. A análise de Keedy é mais pormenorizada. O tom abrasivo e a conclusão são os mesmos: trata-se apenas de um revivalismo requentado, superficial e contraditório do modernismo, que nem sequer pratica aquilo que professa. Mais uma vez, estilo sem substância ou verdadeira consciência histórica.
Keedy chama à tendência «Modernism 8.0» e junta-lhe uma panóplia de sub-«trends» também de nome sarcástico: «Cuteism», «In-Faux-Mation Graphics», «Designerless design». Cumpre-se o passo de nomear a modinha. É curioso que, enquanto atiram estes nomes aos seus sucessores, os críticos da Emigre lamentam as designações infelizes de que eles próprios são alvo – Vanderlans fá-lo na sua introdução, apontando como «infeliz» a designação «Guerras da Legibilidade», o termo pejorativo dado às discussões entre a velha guarda modernista e a ala pós-moderna de que Vanderlans fazia parte. A sua facção foi também baptizada de «Culto do Feio». Até o termo «pós-moderno», em especial quando abreviado para «Pomo», é empregue como projéctil contra designers, mesmo que recusem tal rótulo. April Greiman, ícone do período pós-moderno no design, rejeita-o:
«Sempre ressenti ser mais tarde apelidada de “Rainha do New Wave” ou “Pomo”. Não é nada com que me identifique. […] Sentia que algo morre, assim que lhe é dado um nome.»
Greiman sabia que batizar um estilo pode ser um acto agressivo – nomear como um acto de controle ou exorcismo. Classificar para controlar ou extirpar. Muitos destes baptismos na verdade só definem ou explicam os seus alvos na medida em que dão um nome à irritação sentida perante eles. É o que se depreende nas palavras de Sfligiotti: «Enquanto esperava em vão que a modinha lentamente desaparecesse […], percebi que precisava de um nome para a definir e para explicar a irritação que me provocava.»
Há uma distinção crucial entre nomear e entender. O cientista Richard Feynman contava uma história sobre como o seu pai lhe explicou a diferença. Feinman transportava uma bola num carrinho e reparou que esta continuava a mover-se quando o veículo parava. Perguntou ao seu pai a razão do comportamento. Este respondeu-lhe que ninguém sabia, mas que se chamava «inércia». Para o cientista, a moral da história é que nomear ou mesmo descrever não é o mesmo que conhecer.
Em design, o acto de nomear modinhas só explica o suficiente para as rejeitar. Quando se descreve um objecto como acrítico e ahistórico, está-se sobretudo a colocá-lo fora do âmbito da nossa própria análise crítica e histórica. É, em retrospectiva, absurdo que se classifique como acrítica e ignorante da história do design uma publicação como a Dot Dot Dot, onde era habitual experimentarem-se novos métodos de produzir design, crítica ou história. Tal como antes disso já era ridículo dizer o mesmo da Emigre.
Mesmo embirrações puramente gráficas, como os pedaços de texto em maiúsculas alinhado no canto de uma página que tanto irritam Sfligiotti, até podem ser acríticas e ahistóricas em si mesmas mas tal não justifica que sejam abordadas desse modo superficial e condescendente.
Na mesma altura em que li o texto de Sfligiotti, recebi numa newsletter sobre literatura um link para um artigo na Slate sobre uma tendência nos livros sobre política conservadora de direita designada como «Sith Lord palette» – letras vermelhas e brancas sobre fundo negro. Não há nenhum drama, apenas jornalismo de investigação no seu grau mais básico: vai-se falar com as editoras, com os autores e com os designers. Traça-se uma cronologia básica para o fenómeno e constroem-se hipóteses simples mas explicativas para o porquê das escolhas. Quando interrogado sobre se tantos livros semelhantes o irritam, um dos autores diz que não, que é o zeitgeist. Em geral, quando não é escrita por e para designers a cobertura deste tipo de fenómeno é mais curiosa e informativa.
A verdade é que o design tem um discurso crítico e histórico muito pobre quando trata a forma, em especial no que diz respeito ao modo como a forma evolui no tempo – isto é talvez o que incomoda nas «trends». Embora se reduza a questão a conflitos geracionais ou filosóficos, desconfio que é em parte a incapacidade para articular uma crítica aprofundada da evolução de tendências formais que exalta os designers. Sendo uma disciplina dedicada à criação e investigação da forma, o design tem muito poucas ferramentas conceptuais para pensar a forma de um modo histórico.
Aquilo que classificam como modinha ou «trend» representa algo que sentem não poder controlar ou sequer conceber. Representa um modo alternativo – e inconcebível – de fazer e de pensar que coabita com o do designer. Representa um Outro dentro do próprio design. Essa alteridade pode-se manifestar de um modo formal, processual, geográfico ou temporal – na maioria das vezes trata-se uma mistura destas características. Pode ser um estilo formal que deriva de um modo de fazer que por sua vez está associado a outro lugar (outra cidade, país ou escola) ou a outro tempo (outra geração).
Esta alteridade, que é inevitável, dado o design ser uma actividade plural, põe em causa um dos preceitos mais centrais da identidade do design: a sua atemporalidade universalista. Por mais que, nos últimos anos se tenha começado a descolonizar o design e a desmantelar o seu pretenso universalismo, esse esforço foca-se quase sempre sobre o modo como o processo do design se relaciona com os conteúdos que trata e não com a forma. Um design político é ainda o que é executado em contextos, políticos, para clientes políticos ou com temas políticos. De fora, fica o carácter político da forma, do modo como é investigada e concebida.
É muito raro encontrar uma crítica que se debruce com um mínimo de profundidade ou interesse sobre os aspectos formais de um objecto gráfico. Quando muito, esta análise resume-se a uma descrição em geral técnica apoiando uma análise biográfica, psicológica ou institucional. As boas análises de base formal são raras – um exemplo raro é Robin Kinross, cujo ensaio «Unjustified Text and the Zero Hour» continua a ser um dos melhores exemplos de como se pode abordar uma forma tão quotidiana como o alinhamento à esquerda traçando-lhe uma história gráfica e política sem ceder aos lugares comuns.
Dentro da crítica literária ou de arte, há ferramentas sofisticadas de análise formal que poderiam ser aplicadas ao design. As mais específicas estão agrupadas dentro do formalismo crítico – no qual se podem incluir, não ligando muito se vêm da crítica de arte ou literária, o New Criticism, os Formalistas Russos, Roland Barthes, Clement Greenberg ou Jacques Rancière. A ideia que se tem do formalismo é que se concentra de modo exclusivo nos aspectos formais das obras. Contudo, seria mais correcto dizer que analisam as obras a partir da forma e não da biografia do seu autor, do contexto onde a produziu, ou dos temas que trata – o que não significa que através da forma não se chegue ao conteúdo ou ao contexto. O trabalho de Jacques Rancière demonstra como configurações formais definem configurações política e vice-versa. Caroline Levine, partindo do trabalho de Foucault e de Rancière analisa por exemplo o modo como formas literárias e administrativas se influenciam mutuamente, podendo ser transpostas do ritmo de um poema para o horário de uma instituição. O conteúdo e o contexto têm, em suma, as suas próprias formas.
Na crítica Marxista, o formalismo foi duramente criticado por Trotsky e mais tarde proibido e perseguido por Stalin. Pressuponha uma autonomia da forma, e o carácter político da arte estalinista derivava dos seus temas e conteúdos, sendo o modo como eram apresentados definido em limites convencionais estritos. No entanto, há críticos como Terry Eagleton que lembram que uma análise centrada unicamente nos conteúdos e temas políticos de uma obra será apenas sociologia: «o verdadeiro suporte da ideologia em arte são as formas e não [o] conteúdo da obra. Encontramos a marca da história na obra literária precisamente enquanto algo literário, e não como uma forma superior de documentação social.» (p. 23) Eagleton considera este marxismo como superficial.
No design, como em outras áreas, a ideia marxista de arte política como sendo algo que deriva e reflecte as condições materiais da sociedade, contribui para promover um modo de produzir e avaliar a política do design em termos dos seus conteúdos, contextos e temas, considerando a forma mais ou menos irrelevante. Trata-se, na grande maioria dos casos, do marxismo superficial de que fala Eagleton.
No design, encontra um ambiente fértil, combinando-se com a moralidade functionalista herdada do modernismo e que dita que o design deverá ser a aplicação de formas universais a funções e conteúdos variáveis. Se a forma for tida como universal, o design só pode ser avaliado na medida em que cumpre ou não uma função ou se adequa ao contexto ou conteúdo. A forma só é criticável quando não atinge a universalidade – quando se reduz a uma modinha, por exemplo.
A consequência é a ideia da «boa forma» como um ideal universal que não muda. Foi definida durante o modernismo e tudo o que cada designer pode fazer é tentar alcançá-la ou ignorá-la afastando-se do próprio design como consequência. Os melhores designers seriam os que o conseguiam encarnar. Os piores os que a perverteram.
A história só entra em campo como uma cronologia dos objectos, pessoas ou instituições que se aproximam deste ideal num progresso constante. Períodos que não encaixam nesta noção, são considerados desvios, regressões. Na melhor das hipóteses, aceites como experiências falhadas mas, ainda assim, consequentes – é deste modo que o pós-modernismo, a Emigre ou a Dot Dot Dot vão sendo aceites no cânone. É uma noção antiquada da história enquanto registo dos melhores passos num progresso em direcção a um ideal pré-definido. A história actualmente é construída de um modo plural que não cede a noções de progresso que acabam por promover ideais ocidentais, brancos e masculinos acima de todos os outros.
Pelo contrário, uma história formalista pode trazer para dentro do cânone objectos que de outro modo lhe ficariam exteriores. No livro Art Since 1900, sugere-se que o «nascimento da história da arte como disciplina data do momento em que se tornou capaz de estruturar a vasta porção de materiais que tinha negligenciado por razões puramente ideológicas ou estéticas.» Um desses momentos teria ocorrido, por exemplo quando Heinrich Wölfflin reabilitou em 1888 o estilo Barroco, desprezado durante quase dois séculos, defendendo que deveria ser avaliado por critérios distintos e opostos aos da Arte Clássica (p. 34). O método formalista de Wölfflin assente em oposições entre formas (p. ex.: lineares ou pictóricas, fechadas ou abertas) abria a história e a crítica de arte a uma evolução que já não era linear e contínuo. Um estilo podia definir-se a si próprio por oposição a outro: se num período o kerning é apertado, no seguinte poderá ser aberto; a uma época de maiúsculas em bloco, sucede-se uma de minúsculas espaçadas.
Porém, no design, «formalismo» é um termo pejorativo, tanto na prática como na teoria. É pouco provável que haja algum designer que reclame esse rótulo para si mesmo. Até Max Bill que, ao contrário da Bauhaus, colocava a ênfase teórica do seu design na forma e não na função (p. 10) e que cunhou a expressão «boa forma» como sinónimo de bom design usava o adjectivo «formalista», aplicando-o por exemplo ao estilo Streamline, que considerava superficial. (p. 36)
Steven Heller também empregou o termo para criticar histórias do design produzidas sob «lentes formalistas» onde os objectos são supostamente escolhidos e analisados apenas pela sua aparência formal (p.298). É o mal entendido comum, de acreditar que as abordagens formalistas são menos viáveis porque dependem mais de características superficiais ou estéticas. Dentro do design, formalismo é empregue nesta acepção, designando crítica ou história cujos os objectos foram escolhidos pelos seus méritos visuais e não pelo modo que cumprem as suas funções ou são recebidos pelo público. Pelo contrário, e como já vimos em relação a Wölfflin o formalismo não é escolher imagens bonitas. Pode ser uma maneira de enquadrar historicamente objectos ou épocas incómodos ou inconcebíveis.
Na verdade, e contrariando a observação de Heller, a história do design produzida por critérios formalistas é bastante rara. As grandes histórias do design tendem, melhor ou pior, a tratar o design ou de modo biográfico (um encadeamento de heróis) ou como uma história de instituições, de tecnologias e de ideias (entre as quais se pode encontrar a forma). Uma das poucas histórias gerais onde se consegue articular de modo consistente uma análise formal com uma história política, tecnológica e das ideias é Graphic Design – A Critical History, de Johanna Drucker e Emily McVarish. Contudo, mesmo aqui o que é produzido não é tanto uma história formalista, mas uma história onde a análise formal é apenas uma das peças.
Ironicamente, foi o próprio Heller um dos poucos a tentar uma abordagem histórica puramente formalista no livro que escreveu com Mirko Ilic, Anatomy of Design: Uncovering the Influences and Inspiration in Modern Graphic Design, onde disseca um conjunto de exemplos de design gráfico, apontando-lhes uma genealogia formal. Em grandes páginas de abrir, apresentam-se diagramas mostrando a recorrência de certos símbolos, as suas origens e significados. A identidade gráfica de um serviço de ambulâncias, por exemplo, desdobra-se em pequenas histórias gráficas de design gráfico aplicado a veículos, dos motivos do escudo e da seta que serve de base a esse logotipo e até do efeito de transparência cromática usado. É, com efeito, uma aplicação dentro do design das metodologias iconográficas de Aby Warburg e que, sobre a página, tem uma semelhança formal inegável com estas.


Concluindo, e voltando ao artigo que lhe serviu de mote, não escrevi este texto por qualquer tipo de irritação para com o tique de denunciar modinhas, pretendi apenas produzir uma crítica deste modelo de argumentação – deveria dizer talvez «forma de argumentação», para que as minhas intenções fiquem à vista. Não creio que as formas do design se limitem às gráficas, mas incluem o seu discurso, a sua pedagogia, o modo como se organiza o trabalho. A crítica do design tem as suas próprias formas, que lhe organizam mas também limitam o alcance.
Pela minha parte, acredito que o design ficaria a ganhar com um discurso mais sofisticado e informado sobre formas. Comecei esse trabalho de modo consciente no meu livro O Design que o Design Não Vê e continuei-o no livro e exposição A Força da Forma, onde tentei uma crítica e historiografia política do design assente num modelo formalista. Naturalmente, este texto que concluo é apenas uma etapa a que outras se seguirão.
Agradeço-vos a paciência de terem lido até ao final um texto que leva a sério uma das coisas que os designers menos levam a sério. Espero que tenham gostado.