Escrever faz-se com o corpo e o sítio onde se está

A quarentena confirma que a história do design é uma tarefa dolorosamente material.

Mudei de casa vai fazer dois anos, porque precisava de espaço para os livros e porque nos tornámos pais. A Susana já insistia há muito na sua vontade de morar perto do centro, numa casa maior, mas tornava-se cada vez mais difícil encontrar uma. Mandava-me todos os dias anúncios de sites de imobiliárias. Eu resistia, porque ainda tinha a crise bem presente. Não tinha a certeza de termos dinheiro.

Decidi-me a visitar uma única casa. Nas fotos, gostei dos caixilhos de madeira e da vista alta para um quarteirão interior verde. Fiquei curioso com os mármores das casas de banho. Por falta de experiência, não sabia sequer se era cara ou barata. Visitamo-la, e logo a decidimos comprar. Depois de se comprar casa, fica-se com o impulso de ver mais casas. Continua-se a navegar os sites das imobiliárias. Compara-se, sonha-se, arrepende-se. No nosso caso, não.

Tínhamos conseguido comprar um apartamento grande, central, por um preço barato. Com o boom dos preços, deve ter sido a última semana em que alguém o conseguiu no Porto. Um ano depois vendemos pelo mesmo preço o nosso velho apartamento com pouco mais de metade da área.

Fizemos obras e mudamo-nos, já com a bebé. Mais de duzentos e cinquenta caixotes de livros em duas levas. A maioria ainda por desempacotar. O que me traz de volta à materialidade da história.Ando a escrever sobre uma crítica de design publicada numa revista em 2008. Na versão online há uma única frase a bold. Fiquei curioso se e como a mesma frase aparece destacada na revista. Tenho uma cópia algures no meio dos caixotes. Na biblioteca da faculdade também existe uma, mas está fechada por causa da quarentena. E de qualquer modo, também eles têm problemas de espaço. Por ser um periódico, é possível que esteja em armazém.


Já fui acusado de vaidade ou de impertinência por incluir reflexões como as deste post em artigos e ensaios de crítica e história do design. Porém, parece-me importante por várias razões. Uma delas é a de tornar concreta a experiência do crítico e do historiador. Não acredito na neutralidade da escrita. Escrever é uma tarefa do mundo real e, no design, onde a escrita tende a ser tida como algo desligado da experiência prática, é particularmente importante demonstrar o contrário.