
Faz hoje dezasseis anos que comecei a escrever em público sobre design no meu blogue ressabiator. Fiz assim parte da primeira vaga de escrita online sobre design que haveria de caracterizar a primeira década desde século. Não o assinalo por nostalgia ou para me pôr em bicos dos pés. Quando comecei só queria uma plataforma para escrever, porque não havia nem periódicos sobre design ou sequer colunas regulares sobre design nos jornais e revistas generalistas.
Escrevi-o numa época onde a escrita e a discussão sobre design se tinham tornado instantâneos. Até ao fim da década de 1990, os debates públicos dentro do design gráfico eram de tal forma lentos e espaçados que se tornavam em eventos com a aura mística de um combate de boxe entre semi-deuses: Jan Tschichold vs. Max Bill, Jan van Toorn vs. Wim Crouwel, as Guerras da Legibilidade, etc.
É um etc. muito restrito. O cânone das discussões entre designers é bem mais reduzido que o das obras e o dos praticantes ilustres. A raridade traduz-se, como de costume, em objectos de design. Edições limitadas de posters onde se transcreve a troca de argumentos entre Tschichold e Bill; um volumezinho primoroso sobre o recontro entre van toorn e Crouwel – descrito na capa como uma partida lendária entre dois gigantes.
Os designers por norma não discutem em público. Podem rezingar, barafustar com os amigos ou alunos, têm inimizades lendárias mas é raro comprometerem-se por escrito. Não sei se aqui em Portugal, por exemplo, tenha havido algum debate que tenha ficado para a história. E mesmo nos Estados Unidos ou em Inglaterra (talvez a estirpe mais dada à polémica) o debate é mais excepção do que regra.
Por comparação, áreas como a arquitectura parecem ser muito mais construídas com o debate como centro – lembro-me de Álvaro Siza Vieira falar certa vez das contribuições de Fernando Távora para o debate da Arquitectura. Talvez aqui a discussão seja mais central porque a arquitectura, apesar dos desejos de muitos arquitectos, é uma actividade que precisa de ser discutida e mesmo litigada publicamente em cada passo do processo. Para que uma casa seja edificada, o arquitecto tem de enfrentar o cliente, o empreiteiro, a lei e a sua própria disciplina.
No design gráfico, uma tarefa onde os melhores tendem a trabalhar para o Estado e portanto em público, a discussão tende a ser subterrânea. Quando os designers se queixam de falta de transparência, é menos provável que estejam a falar a falar de debate público do que da inexistência de um concurso para atribuir um determinado trabalho. (E um concurso só por excepção é um debate público. É uma reunião à porta fechada de onde sai uma selecção justificada por uma parca memória descritiva.)
É sempre perigoso atribuir traços antropomórficos a uma disciplina, mas talvez o design enquanto disciplina tenda a rever-se nas características daquilo que considera ser o designer ideal: um mediador, alguém que concilia e não que fractura.
Estas características derivam da ética típica de uma profissão liberal mas também da precariedade inerente ao próprio design, que é tão laboral como estética. O designer tem mais medo de passar de moda do que de perder o emprego, ao ponto de rejeitar violentamente qualquer tipo de discussão sobre estética, sobre opções formais ou sobre estilo. Tudo isso é muito mal visto. Prefere-se discutir as questões sérias, éticas e políticas do que as formais, consideradas epidérmicas.
Note-se que estou a falar de debate e não de crítica. Se esquecermos o contexto português, o design está numa época de ouro da crítica. Ainda ontem ouvi um podcast sobre crítica onde se lamentava com alguma nostalgia a época da Emigre onde havia discussões que pareciam afectar a totalidade da disciplina. Agora era tudo muito mais fragmentado.
Ainda bem. Não há uma visão unificada do que é o design, a sua crítica ou a sua história. Existe um sem número de publicações, físicas e em linha, com modos de ser totalmente distintos e muitas vezes até incompatíveis: Modes of Criticism, Bricks from the Kiln, Bulletins of the Serving Library, Revue faire, Counter Signal, Decolonizing Design, Aiga Eye on Design, Eye, Design Observer, etc., etc.
Embora ainda se discuta muito o que deve ser a «verdadeira» crítica de design, tal como ainda se discute o que deve ser o «verdadeiro» design, essas tentativas de disciplinar o campo acabam apenas por revelar a impossibilidade de o fazer. Tornou-se demasiado vasto e variado. O cânone da crítica e da própria reflexão sobre design alargou-se, o que é visto por muitos com preocupação. Teme-se, como se costuma fazer sempre, pela diluição da disciplina, da perda de força, etc. Parecem-me dúvidas infundadas. Exigem apenas mais abertura por parte do praticante e do crítico. Não uma abertura no sentido da aceitação acrítica mas no de não rejeitar algo porque não é design a sério ou não é crítica autêntica.