O monumentânea é um blogue sobre história recente do design. O seu território é aquele vazio a meio caminho entre o momento e o monumento. Ocupa-se do período desde a viragem do milénio até agora. Escolhi essas duas décadas por me serem familiares, por já ter passado por elas com o olho do crítico de design, mas não com o do historiador. Sob o ponto de vista de uma história geral do design, é um período pouco tratado, sobretudo quando se fala da disciplina em Portugal.
No que diz respeito a bibliografia de divulgação, existem várias monografias soltas sobre objectos ou praticantes deste período, existe o sexto volume da colecção Design Português organizada por José Bártolo e, neste caso, escrito por ele. É muito pouca coisa, sobretudo se compararmos com o que tem sido produzido sobre o período heróico do design português – a era de Sebastião Rodrigues, de Victor Palla ou de José Brandão.
Escrevi durante dezasseis anos sobre design português no ressabiator. Começando em 2004, aproveitei o formato do blogue para produzir uma crítica rápida e concisa, uma maneira de reflectir sobre uma área quase ausente dos jornais ou das revistas. Interessava-me a política do design, e aquele murro no estômago que se sente quando nos cruzamos com um objecto de design notável.
Começou por ser uma escrita orientada para o presente. Porém, senti cada vez mais a necessidade de investigar a história. Começou por ser um impulso para perceber melhor o design contemporâneo. Mais tarde, tornou-se numa necessidade profissional. Eram comuns as encomendas de escrita sobre história do design português. Fiz textos sobre José Brandão, Paulo Guilherme, Victor Palla, Paulo de Cantos, Luís Miguel Castro, entre outros.
Esta procura deriva do crescimento explosivo da história do design em Portugal. Tal decorre sobretudo da investigação académica, mas também de esforços curatoriais e museológicos. Esta produção, a todos os níveis torrencial, tem o seu ponto focal no período heróico do design português, entre as décadas de 1950 e 1970.
Em contrapartida, a crítica do design, entendida como uma reflexão sobre o presente, esteve praticamente ausente durante este período – o que provocou o efeito curioso de quase não existir um discurso sobre a contemporaneidade do design português. A pouca crítica assume o papel irónico de ir comentando as exposições retrospectivas dos grandes mestres ou os catálogos monográficos dos praticantes respeitáveis – deixou de ser uma crítica contemporânea para se alimentar também ela da história, tornando-se nostálgica e conservadora.
O que se sacrifica com isto não é só a consciência crítica do presente mas o acesso à história recente. Percebi isso ao investigar para a exposição A Biblioteca na Biblioteca, que co-comissariei com Ricardo Nicolau, no Museu de Serralves. O tema eram os últimos vinte anos de edição independente no Porto. Não havendo uma história ou sequer registos críticos desses objectos, foi muito difícil reuni-los e inventariá-los. Mesmo os seus criadores já tinham, em muitos casos, distanciado deles. Eram objectos que tinham ficado mudos, isolados de um contexto irremediavelmente desaparecido, apesar de recente.
Desde então, tenho tentado dedicar-me à história recente do design, uma tarefa difícil porque o passado mais distante tem mais procura. Tive de terminar a exposição e o livro A Força da Forma, na Porto Design Biennale 2019, cujos objectos percorriam a história do design português desde os seus começos à actualidade, com um peso especial no período do Estado Novo. Acabei ontem um texto sobre a obra de Paulo de Cantos. Dedico-me agora aos últimos vinte anos.
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