19 anos

Faz hoje 19 anos que comecei o blogue The Ressabiator. Ainda o uso, embora prefira publicar na monumentanea.com ou no unseenby.design.

Durante algum tempo, escrevi muito no facebook. 2022 encarregou-se de me tirar a vontade. A reacção da esquerda à invasão russa da Ucrânia foi o motivo. Do lado do PCP e afins, foi a mentira e a dissimulação reiteradas; do restante, a falta de vontade de fazer um exame de consciência sistemático sobre toda a xenofobia, racismo, apologia de crimes contra a humanidade, teorias de conspiração, etc. Custa-me até levar a sério produção científica sobre a sociedade portuguesa que não se debruce sobre isto.

Na minha área, o caso da História do Design Gráfico em Portugal teve um efeito semelhante. A incapacidade do design assumir uma postura pública e institucional sobre um problema gravíssimo, que sucede à vista de todos e que qualquer um pode verificar com os seus próprios olhos, é grave em si mesma.

Encerro a minha segunda década de escrita sobre design com a sensação que pouco ou nada mudou desde que comecei em 2004. Apesar de nunca se ter escrito tanto dentro da área, permanece a incapacidade de o fazer perante um público mais alargado. A área fechou-se e ensimesmou-se.

Uma História Grave (8)

Foi com este texto, publicado a 20 de Dezembro de 2022, que trouxemos a público os problemas graves que descobrimos na colecção HDGP.

Desde então, o Público começou por anunciar a reedição dos dois primeiros volumes. Pouco depois, seria anunciada a reedição de todos os volumes publicados até à altura. A decisão foi justificada pelo jornal com evasivas e desculpas inverosímeis e contraditórias.

O caso é um teste ao design como disciplina, e à sua capacidade para se debater a si próprio na esfera pública. Os problemas que denunciámos, pela sua escala e exposição, deveriam levar a um inquérito e reflexão profundos. A alternativa é a erosão da credibilidade do design enquanto disciplina académica.

Uma história grave (7)

O Público anuncia em publicidade de página inteira a «nova edição» da História do Design Gráfico em Portugal. «Revista», «em versão melhorada, retrabalhada e reimpressa, para garantir a qualidade que os nossos leitores merecem».

Não se refere em lado nenhum que a colecção foi retirada de circulação por terem sido nela encontradas um grande número de transcrições extensas, sem qualquer referência aos autores originais.

Nem se diz como se começou por garantir que eram erros menores. Ou que afinal se ia reimprimir os dois primeiros volumes (por «coincidência» aqueles onde tínhamos encontrado problemas). E mais tarde a totalidade dos seis (depois de se ter denunciado problemas também nestes).

Em qualquer outra área que não o design, seria um escândalo.

Para que não se perca de vista qual o problema: as imagens deste post são das páginas 34, 35 e 37 do quarto volume (a página 36 mostra uma imagem de página inteira, e não a reproduzimos). Compara-se com o texto, «Joaquim Carneiro da Silva e o Plano da Aula Pública de Desenho de Lisboa: contributo para a história do ensino das Belas Artes em Portugal», da autoria de Miguel de Faria, professor catedrático na Universidade Autónoma de Lisboa.

Este exemplo não faz parte dos casos originais enviados ao Público.

Uma história grave (6)

Na edição impressa de 11 de Fevereiro, mais um comunicado estarrecedor do Público sobre o caso da História do Design Gráfico em Portugal. Uma vez mais, não se admite ou descreve sequer o problema.

A sucessão de medidas tomadas deixa adivinhar a sua extensão e gravidade. Começou por se assegurar que era mesmo assim. Tratava-se de erros menores, resolúveis num volume nove e numa errata. Pouco depois, já era preciso reimprimir os dois primeiros volumes. Mais tarde, todos os volumes publicados.

Tudo justificado com explicações vagas, contraditórias, e sem nunca mostrar sequer a natureza da questão. Ou qualquer exemplo concreto.

A falta de transparência consuma-se na tentativa de retirar discretamente de circulação a primeira edição, obrigando os leitores que já a adquiriram a trocá-la pela segunda, caso não queiram desembolsar ainda mais dinheiro.

A gravidade dos problemas será evidente confrontando as duas edições. É óbvia a quem ponha os olhos na primeira e a avalie com o rigor mínimo com que se deveria avaliar qualquer outra obra.

Porque não se admite sequer a natureza do problema, pessoas desprevenidas continuarão a usar a primeira edição desta obra como referência, inquinando a área disciplinar da história do design. Tudo para salvar a face.

Mau demais.

Uma História Grave (5)

Mais outro comunicado confrangedor do Público.

Não deixa de ser notável a criatividade de autor, editora e jornal unindo esforços para menorizar e justificar o que é desde logo injustificável.

As justificações posteriores (que ocorrem apenas depois de divulgados os problemas) de que a ausência sistemática de notas de rodapé, de referências bibliográficas, da identificação de frases citadas através de aspas ou itálico e respectiva referência bibliográfica no que respeita a significativas partes de texto aconteceram contra a vontade do autor, porque o papel encolheu ou escasseou, os vols. “reduziram”, houve “economia de palavras”, ou “foram remetidos para o vol. 9” (que, no plano da obra inicialmente publicado, era um “Glossário”) não são verosímeis.

Estas justificações podem ser desmontadas olhando para os livros. Nos seis volumes publicados, existe referenciação bibliográfica. Uma coluna, ocupando um quarto da página típica, é reservada para notas e referências. Em muitas das passagens que assinalámos ao Público, é deixada em branco. A autoria de trechos copiados não é assinalada. Nem por referências, nem por aspas, nem por qualquer outra formatação.

Apresentamos aqui quatro páginas consecutivas, incluindo exemplos já enviados ao Público. Há trechos copiados quase literalmente cuja autoria não é sinalizada apesar da abundância de espaço na coluna da esquerda. Por contraste, há citações que são referenciadas, embora omitindo a identidade de quem realmente cita. Vitorino Magalhães Godinho e Orlando Ribeiro são citados por Augusto Santos Silva que não é referenciado. Onésimo Teotónio Pereira e António Ferronha são citados por Vítor de Sousa também não referenciado.

Note-se também como cópias não referenciadas de vários autores se sucedem sem transição. Não se trata apenas de falta de referenciação. É um problema estrutural do próprio texto.

Critérios correctos de referenciação bibliográfica não são negociáveis ou acessórios. São a essência de qualquer trabalho intelectual honesto, que respeita os seus pares e identifica as suas fontes, respeitando também os seus leitores.Não são um acessório que se introduza a posteriori em obra nenhuma, seja ela de divulgação, ficção, etc.

Uma História grave (4)

Público pronunciou-se finalmente sobre os problemas da História do Design Gráfico em Portugal, de José Bártolo. (Reproduzimos em imagem o mail enviado aos leitores que compraram a colecção online.)

Escrevemos num post prévio que esses problemas comprometiam irremediavelmente a obra. O Público dá-nos razão ao anunciar que os volumes 1 e 2 serão «reimpressos» e «republicados» – ou seja, vão fazer uma segunda edição e retirar sem alarido a primeira de circulação.

A decisão derruba por implicação vários contra-argumentos entretanto avançados pelo responsável pela colecção: nem estes problemas podem ser resolvidos apenas com uma errata, nem estava previsto que as referências bibliográficas problemáticas fossem dadas no volume nove (ainda por lançar neste momento).

Por outro lado, o esclarecimento não esclarece quase nada. Nós enviamos para o Público oito «problemas graves» de «recurso deficiente às regras de citação». Em consequência, a distribuição da colecção foi suspensa. Na ocasião, o Público justificou-se numa breve nota no jornal impresso de 10 de Dezembro e na sua versão em pdf. Atribuía a interrupção a «motivos de força maior que não […] são imputáveis» ao jornal (essa nota não tem link disponível.)

Oito «motivos de força maior» e «problemas graves» levam à suspensão de uma obra, e têm como consequência a reescrita e reedição de dois dos seus volumes. Isso chega para fazer uma notícia?

Quais são os «problemas graves»? O que significa «recurso deficiente às regras de citação»? O Público encontrou mais ocorrências para além das que lhe comunicámos? Houve mais queixas? Só os volumes nos quais apontámos «problemas graves» vão ser reeditados; o Público avaliou os restantes? (Entretanto, também encontrámos situações semelhantes noutros volumes).

O Público falhou na sua missão. Como jornal e como instituição. Não expôs aos seus leitores os pormenores de um caso que ele próprio admite ser grave. Refugia-se em vocabulário vago. Não apresenta exemplos. Em suma: não informa os seus leitores.

Uma História Grave (3)

O Público divulgou finalmente um esclarecimento na questão da História do Design Gráfico em Portugal. Publicou-o ontem, 24 de Dezembro – talvez o pior dia do ano para prestar atenção a notícias. Como é apenas um esclarecimento, só é consultável na versão em papel, no pdf, e no mail enviado aos leitores que compraram a colecção completa. Não há link disponível. Não é sequer possível encontrá-lo num search da internet.

Deixamos aqui registada a nossa perplexidade com a forma como o Público demorou semanas a tomar uma decisão neste caso, apenas para a publicar deste modo. O seu próprio código deontológico prevê uma resposta em 96 horas. Quanto ao conteúdo do esclarecimento, em breve publicaremos um comentário.

Uma história grave (2)

Ainda sobre o assunto do post anterior:

Publico aqui o fim da passagem de Augusto Santos Silva transcrita sem atribuição nas páginas 37 e 38 do primeiro volume História do Design em Portugal (HDP).

No fim do trecho original, Santos Silva cita Orlando Ribeiro (imagem 1). Na HDP, a citação de Ribeiro é referenciada na margem, logo que surge no texto principal (imagem 2). Augusto Santos Silva não é mencionado.

Se Ribeiro é identificado de imediato, não há razão verosímil para que Augusto Santos Silva venha apenas a ser identificado num nono volume, editado dois meses depois. Qualquer leitor assumirá que as citações são identificadas na altura em que são feitas.

Uma história grave

No começo de Novembro, a minha colega Maria José Goulão, professora de História de Arte na FBAUP contactou-me porque descobriu erros graves nos primeiros volumes da História do Design em Portugal, de José Bártolo. É uma obra em dez volumes editada pela Esad de Matosinhos e distribuída com a chancela do Público. Havia gralhas, erros de identificação de obras e três instâncias de citações mal ou não atribuídas de todo, que podem configurar plágio. Enviou uma lista para o Público. Prontificou-se a elaborar uma recensão crítica. A direcção prometeu investigar.

Ela emprestou-me os seus exemplares anotados (eu comprei a colecção completa e na altura ainda estava à espera que me enviassem os primeiros cinco livros). Descobri, recorrendo ao google, mais cinco citações problemáticas. Uma delas ocupava mais que uma página. Reproduzo aqui, para exemplo, uma passagem copiada tal e qual, sem referência, de uma obra de Augusto Santos Silva.

A Maria José Goulão enviou esta nova listagem ao Público. No dia seguinte, a colecção foi retirada da loja online. Desde então, já não foram lançados novos volumes com o Público ao Sábado. O jornal não deu até agora justificações públicas. Indicou-nos que os serviços legais do Público estão a tratar do assunto.

Não vou especular sobre o processo ou os motivos que levaram a isto tudo. Tal deverá ser apurado em inquérito posterior. Os problemas são inegáveis. Qualquer pessoas munida de uma cópia dos livros e de internet os pode confirmar. Importa antes de mais avisar quem tenha comprado ou consulte a obra. O seu uso como referência parece-me irremediavelmente comprometido.